Loriga, lá bem alto em Portugal, lá bem português. Verde pinheiro, castanho caruma, transparente nascente. Venho pelas curvas acima e abaixo (diga-se em rigor, mais pra cima que baixo), por entre cortinas de montanhas que penetradas p’lo Sr. Motorista fazem descobrir vales, que fazem descobrir telhados laranja em grupo como em conferência em volta de altaneiras igrejas como a beber-lhes conhecimento ou a pedir-lhes veemência. Com a mesma prestação com que na missa as pessoas se dispõem em volta do padre, assim se dispõem as casas a ouvir a igreja. Para que não lhes falhe escutar nenhum bongo dos sinos. E não se atrasem a nenhum compromisso… Sim, que aqui a vida é cheia de compromissos… Há que apanhar o metro a horas até à baixa para ir ao shopping centre De modo a ficar na bicha ‘modo a comprar a última versão do Windows antes que esgote…! Ou enfiar-se no carro a tempo, ‘modo trânsito p’a chegar ao “Terminator Implacável 7” no shopping centre B a tempo de não perder um trailler que seja. Enfim, ele é só stress. Fora de brincadeiras, assim será, não tenho duvidas daqui a um par de gerações, ou nem isso. Se a vila não se apagar de tão crescentemente despopulada. O meu avô amaldiçoa esse dia, em que o último contentor de sangue loriguense se meta num Expresso para nunca mais voltar (ou morra de velho, sozinho, calmamente no seu quarto, ao mesmo vai dar, a Roma, que ironicamente eh o unico sitio que o meu Avo gostaria de visitar, um dia). Mas eu, ao revês, morro de medo do exacto oposto. Morro de medo que as estradas todas se acimentem, que os morros verdes se caiam de branco (ou de tanto peso), que as esquinas se enfeitem de semáforos. Aterroriza-me imaginar que virei cá para o ano e o que meu pai estacione o carro num parque de estacionamento de 4 andares, ou que em vez dA papelaria, hajam tres, que em vez dA farmácia hajam quatro, que em vez dA sapataria hajam cinco, que em vez dO cabeleireiro hajam seis, que em vez dA boutique hajam sete… que as casas em pedra de erodam ‘modo escape dos carros. E a agua que canta nos regos tenha mais plástico que fósforo… e por isso já não se deixe ecoar mais o seu plink, plonk (shhhh) … Assim não brinco! E não sei se serei capaz de cá trazer meus filhotes se a coisa se adulterar tanto. E já tive que me habituar, contrafeita, às setas e setinhas que acharam peremptório plantar nas ruas de loriga (como se alguém alguma vez se fosse perder nas longas “avenidas”, com tanta alminha desejosa de indicar seja que caminho for (até mesmo aqueles que estão frequente e voluntariamente nos seus postos, incumbidos da importante tarefa de “segurar” o murro no sitio, que senão for bem amparado por pelo menos uma meia dúzia de homens em filinha, ainda se vai abaixo (penso também que muitas outras casas estão em perigo, a julgar pelo serviço que dão às suas paredes…), até esses ocupados senhores se disporiam a distrair-se do serviço e dar uma mãozinha, um cuidadosamente elaborado agora-ides-em-frente-e-defrontes-do-barbeiro-que-vedes-ali-(na’vedes?)-virais-à-direita-e-não-tem-nada-qu’enganar!) Ou o café que para lá nasceu no açude. É progresso? Talvez. Para uns. Para outros é a degeneração. A verdade é que não tenho sobre isto um veredicto acabado. Tenho o meu desejo egoísta de menina que nem sequer aqui alguma vez viveu, não o de um politico autarca que se preze e respeite a vontade de uma população. E por enquanto basta-me ficar assim.
Já não os via há um ano, meus avós. Esse é o máximo que aguento. Para ser absolutamente verdadeira, talvez aguentasse mais tempo sem os ver (embora os biscoitos que me dá minha avó e a água de sabedoria que bebo do meu avô sejam das dietas mais nutritivas…), como eles vêem associados a estas paisagens, a esta vila… torna-se mais premente a minha visita. Se calhar por vezes não é preciso ser-se absolutamente verdadeira. Não havia necessidade… mas agora já está. ‘Tá escrito, ‘tá escrito. Como se dito é que estivesse… mas, vendo bem, é também preciso tomar o escrito como dito por vezes…ou seríamos injustos para com o dito, pois tantas vezes se diz ao dito para que tenha cuidado, que diga mais o que seja digno de se escrever… que se pense antes de se dizer… Pois agora deixei que o dito sentido desse uma lição escrito pensado e resta-me apenas temer o momento em que os meus avos isto leiam.
De autocarro Expresso, que se partiu às 7 da matina, que demorou quatro horas e meia em tempo português (ou seja na realidade chegou passadas cinco horas e cinco minuto), cheguei. Meu avô me abraçou, sorrindo às gargalhadas, sorrindo exactamente da mesma forma que a minha avó chorará aos soluços quando me estiver para ir embora, obedecendo à mesma lei da Lógica do Sentimento. Sorri às gargalhadas como sempre sorri, de certo, quando, por aqui, volta e meia recebe sangue do seu sangue só que mais novo e que noutras andanças corre. Talvez ele sinta que por nelas andou também, que um quarto dos seus genes anda agora por caminhos inéditos e que é por necessidade de saber por onde ele próprio anda que ele me tem perguntado insistentemente “Então, diz lá Diana, por quantos países já andaste?” (eu nunca me pus a contá-los, acho que por vergonha de ainda me faltarem tantos… até aos cento e oitenta e tal e com tendência a aumentar de número). Acompanhou-me da Carreira até casa, descendo pela rua calçada de pedra cinzenta, ou serão as pedras que se calçam na rua, não sei, e não me dou ao trabalho de perguntar. Passámos, em caminho, pelos homens que já lá estavam compenetradamente em serviço, pois à hora do almoço, tal como ao fim da tarde, é quando o muro mais hipóteses tem de cair, tenho aprendido por observação cuidada e longitudinal (ao longo dos anos), porquê também não o sei explicar e esta penso que talvez valha mais a pena averiguar um dia. P´la “longa avenida” que só pode ser apelidada de principal, por que as coisas bem vistas, é aquela única que passa pelos correios únicos, pela papelaria única, pela boutique única, pela farmácia única E, ás dos ases, pela imponente (derivado a ser a única) Igreja, também se passa por duas fontes (Água pura, pura, clarinha e fresca da nascente!) que nos dizem “Comunidade Loriguense de Manãos, 1902”. Nisto eu para elas aponto e solto um “Já ali tive, ‘vô, em Manãos!” ao que ele responde satisfeito ou com o facto de eu ter lá viajado e ou de ele ter algo que me ensinar “Pois!… Muitos emigraram para lá e mandaram dinheiro para que construíssem cá estas fontes!” “Pois (mesmo à português de portuga, pois, pois, pois…!), parece que o governo brasileiro deixou que abrissem empresas sem pagar impostos, para promover a exploração industrial daquela área da Amazónia…” repeti eu o que aprendi dum caboclo que me tinha levado p´la Amazónia adentro (… mas não tão dentro, porque mais que uma noite na selva significaria uma impossibilidade de consumo e dispêndio de capital demasiado grave, dolorosa mesmo, para o Gerome, julgo que terá sido por isso, de verdade, que apanhou lá uma conjuntivite no olho direito, da falta de ver restaurantes ao longo das ruas, de ler um menu e depois, com gosto, o recibo da conta e mais à frente um pub onde “vever” umas “pints”… (O olho da Esquerda sempre tinha outra visão das coisas, já era de esperar, então aguentou-se bem…) de modo que, por estas mais que por outras, nunca cheguei a apertar a mão a nenhum índio, com muita pena minha, ficará para a próxima…). À entrada do pátio pelo portão da casa, pisa-se uma… grade de madeira, para que em lugar disso não se enfie o pé no interminável rego de água. Este acto liberta um “plim” metálico que, para mim, representa o som mais característico de “Estar em casa da avó de Loriga”, pelo que após verificar com atenção a existência do dito, confirmei satisfatoriamente que tinha chegado efectivamente onde queria. E nisto, em “duplo-cheque”, just in case, procuro o sonoro tanque onde as irmãs (das de fingir, as freiras) lavam a roupa e onde eu também me lavei quando “piquena”, as uvas penduradas a fazer de tecto, as couves, as abóboras, as flores e os tomates, estes mais a fazer de chão. Subimos, lá está a avó. Beijos e abraços interrompidos prontamente pelo inevitável “Vá, ide mas é comer!”. E imediatamente me encontro sentada na cozinha a saborear um caldo verde e uma das 1001 maneiras portuguesas de cozinhar bacalhau (aposto que há mais que isso). Lá pró fim, avó que é avó que se preze, teima sempre em iniciar aquele ciclo vicioso do “Queres mais, filha? Comei!”, averiguando com insistência quasi-científica se queremos mais (principalmente se dizemos que está mesmo bom, ai é que elas não se calam, é im-pos-sí-vel!). Se não comemos muito, insistem que não comemos nada, se comemos tudo, pegam na colher de pau e autoflagelam-se porque “Ai! Se eu tivesse feito mais ainda comias!”, abanando a cabeça, envergonhadas pela negligência. Quando chegam a esse ponto, a única medida a tomar é olhar-lhes nos olhos e expor o mais pausada e leigamente possível tudo o que sabemos sobre as propriedades elásticas limitadas do estômago e sobre a crescente percentagem da taxa de mortalidade que se deve a doenças de excesso de peso. Claro que isto nem sempre impede que chegada a parte da sobremesa, elas não nos ponham uma data de bolos caseiros à frente, e não tenhamos de mencionar as células prismáticas e a arteriosclerose de novo. Ou, em alternativa, a modo de evitar um ataque de nervos (dos nossos) ou um olhar mais choroso da nossa avó ou de não desperdiçar aquela oportunidade de papar bolinhos caseiros tão bons, tão raros… podemos sempre escolher entregar-nos ao “sacrifício”. Bem dizem, com razão, as estatísticas que aquilo lá p’ó norte das europas é que é qualidade de vida. Sortudos ingleses, esses que, na maior parte, não tem avós que cozinhem bolos e banquetes, ou cozinhem de todo, como veio a admitir-me sem o menor embaraço a minha senhoria lá de Londres. Mais embaraçada fiquei eu que ela, ao saber que aquela carinha de 3ª geração, branquinha e enrugada, de sorriso macio e olhar terno nunca passou na cozinha mais que uma hora por dia, não se cansou a amassar massas, a bater papas, a assar animais, a cozer legumes, etc, etc… Não! Disse-me com todo o desplante na forma de orgulho de mulher emancipada (ela estudou, é médica), que mal sabia fritar um bife “My husband does it all!” Pudera, que remédio tem o marido, coitadinho, diriam as mulheres de cá.
Mas não é só sobre o que se come ou não se come que a minha avó permanece atenta às refeições. Grande parte da sua compenetração vai para por o meu avô a par do “noticiário”. O que pode parecer redundante já que ele próprio já ligou bem ligadinho o televisor à sua frente, mesmo à frente, para que nem ela se possa interpor no meio dos dois, com a desculpa de que lhe vem trazer qualquer coisa que falta, se bem que quando ela tem dias que tenha faze-lo sonoramente, subindo a voz, ele pode sempre munir-se da sua estratégia alternativa, do seu plano B, o rádio bem aconchegadinho ao ouvido esquerdo. Mas mulher serrã, que passa os dias a criar batatas, tomates, couves, botelhas (abóboras, p’os meninos da cidade), a plantar galinhas e, quando calha, coelhos e, em tempos, porcos, a corar e a lavar roupadas no tanque, a bordar e a compor calças, vestidos, blusas, enxovais (quando se lhe vê a cortar à tesourada sem fita métrica, até nos cai a alma nas mãos, mas não é que no fim fica tudo certinho?!), a ir à praça, a rodar a colher de pau duas ou mais vezes ao dia… e ainda, meus senhores, arranja vagar para dar uns dedos, aliás mãos, braços, pés e pernas de conversa com outras que tais daqui… não senhor, não se deixará demover assim sem riposta. “’Tás me a ouvir? Já viste que ele nem me ouve, Diana, olha p’áquilo! ‘Tás a ouvir o que te digo da Irmã dos Anjos?…” E eu não o censuro. A razão porque a mim não me incomoda é por para mim ter um carácter esporádico como a semana de carnaval e um interesse turístico. Acho-lhe piada, como um “bife” que cá visita um mercado se peixe, com suas varinas (ainda que consigo seja obrigado a trazer as… narinas. E assim se fez prosa que rima). No fundo acho que o meu avô já adivinha o desenrolar das “reportagens” de Loriga, só da entoação que a minha avó lhes dá. Porque, demonstrando-se mais interessado nas notícias de portugal e do mundo, eu nunca o vi, ao fim e ao cabo, apontar a faca aos pulsos quando tem que saber quem é “a-cunhada-do-zé-da-horta-que-é-filho-do-manel-dos-sapatos-que-já-morreu-e-deixou-viúva-a-graça-irmã-da-ti’rosinda-que-vendeu-aquele-terreno-que-só-tinha-era-silvas-p’ra-pagar-os-estudos-do-filho-que-lá-foi-p’ra-lisboa-mas-dizem-agora-que-anda-metido-na-droga-que-bem-se-vê-que-só-lhe-pede-que-mande-é-dinheiro-e-mais-dinheiro…”. A notícia de 1ª página ontem e de segunda página hoje, e provavelmente de 3ª ou 4ª amanhã imagine-se, foi a de uma mulher (querem nomes, venham vocês cá buscá-los) que traz todas as semanas nove contos em quilos de peixe SÓ p’ó marido, ela não lhes toca, e que, de tão mimado que ela o torna, douradas já não compra que já não são do rio (!), e que salmão já não compra porque também já é de viveiro. Mas se há reportagens que quanto a mim, não merecem tanta cobertura, ele há outras que… Ora a de 1ª página hoje, que continuará de 1ª amanhã e por aí fora de certo, é a do Padre e das Irmãs. Esta, de tantos reporters que lhe dão cobertura aos detalhes, digo que daria uma novela não de hora de almoço mas de horário “nobre”. “O Padre & as Irmãs”. Ora vejam. Após a partida do outro padre em missões para Timor, a vila trouxe, para a populaça se entreter, um novo. (“The show must go on”.) Mas para um novo, novo mesmo, isto é, nos dois sentidos, é que ninguém estava preparado. 35 aninhos! Comecei a ver que a mudança tinha carácter revolucionário quando a minha avó, graças ao dito padre, passou a ir à missa de ombro ao léu sem temer não ir p’ó céu. Lá explicou que desde que o padre se pronunciara a respeito, demonstrando compreensão pelos aos prazeres da carne, que toda a carne vai mais à fresca, até porque assim toda a gente sabe que se conserva melhor. Escândalo se vai adivinhando entre a galinhajem (juro que é assim mesmo que soam, quando se as ouve em bando) quando (nessas “reuniões de imprensa”) se vão partilhando descobertas e as peças se juntam: O que fica o Sr. Padre a fazer até à meia-noite em casa das Irmãs? Se irmãs a sério, isto é, de sangue, fossem, “não fazia mal”, diz minha avó, mas como são a fingir, já são outros tantos, pois se vão lá jantar, o jantar por essas horas já deve estar mais que tomado. E quando se metem de carro com ele a ir não sei aonde, na passeata? Diz me a minha avó hoje que se ouviu que as freiras respondessem “Ora, já fiz tanta vida de sacrifício que agora bem mereço umas férias de descanso”. ‘Tá dito. E ninguém riposta… na frente delas, claro. Mas, a mim, continua a minha avó “Ora se isto já se viu, vindo duma freira!” Acompanhado do conhecido genérico “Eu não sei onde isto um dia vai parar…” e “Andam estas freiras umas vadias, desde que este padre chegou”. E para agravar, parece de propósito só para dar com as loriguensas em doidas, o Bispo decretou que se deixassem as freiras agora andar vestidas à paisana. Já os padres o podem, agora é a vez das mulheres, como em quase tudo, as senhoras NÃO são primeiro. Compôs-se o adágio só pensando nas passagens p’las portas.
Acabado o almoço pensa o meu avó em subir lá acima à Carreira ou em por-se ao computador. Mas decide pelo último desta vez. (Não é que ele faça isto, pensando muito, pesando pró e contras, pelo contrário fá-lo com um automatismo rotineiro impecavelmente incisivo.) E ainda bem, delicio-me ao contemplar essa paisagem doutro planeta que é um indivíduo de 83 anos a compor marchas no computador (ainda ontem o vi a comentar com outro musico “Aquilo escrevendo-se nas pautas, ouve-se imediatamente, é muito melhor, mai’rápido!” “Olhe que não sei, Sr. Ascenção, eu cá penso que será mai’d’fícil, sabe…”. Já tinha andado no “CHATeanço” com ele no Messenger, p´la Internet, mas é vê-lo, para crê-lo. Aposto que seria notícia de telejornal. Já conhecia os talentos impressionáveis do avô Ascenção. Ele tirou a quarta classe depois do que foi trabalhar p’ás fábricas. Mas meteu-se cedo na banda de Loriga. A pouco e pouco foi tocando de tudo até chegar a maestro e depois compositor. Além de primeiros prémios das cantigas e marchas que compõe, ganhou já uns de palavras cruzadas. Nem um dicionário lhe ficava à frente. Não há palavras que o meu avô não conheça. E vocábulos de 3 gerações! Ainda anteontem, no dia em que cheguei me deu a ler prontamente um poema, que também lhe valeu um 1º prémio, tal qual uma criança aos pais. Um verdadeiro auto-didacta. Um Nobel de qualquer coisa, caso as dificuldades fossem facilidades no seu tempo.
Passam mais uns dias. Ontem fui à missa, porque às tantas fiquei curiosa de ver o Padre, o Libertino. Alertou-me o modo como ficava a olhar para as quatro criancinhas que o ladeavam por detrás da mesa do altar, enquanto elas despejavam das luzidias taças de prata a água para lavar as outras taças não menos brilhantes antes de para essas despejarem o vinho, vinho de fingir, que aquilo é o sangue de Jesus, dobravam paninhos, colocavam paninhos por cima das taças e taças sobre paninhos e assim iam fazendo as lidas da igreja. Um deles incumbia-se de voltar as páginas da bíblia que se lia pelo padre. Quando algum dos pequenos estremecia deixando a taça escorregar-lhe das mãos ou deixava a página voltar-se acompanhada de outra que não devia… deixavam sair um sorriso nervoso próprio de quem tem 100 pares de olhos adultos religiosamente compenetrados em cima, já não falando daquele, d’O Par dos pares. Mas assustada só fiquei quando a minha avó me noticiava, ilustrando o que assisti na missa “Pois, então viste como o Padre fica pasmado a olhar para as criancinhas à espera que lhe dobrem os panos? Pois, é ele que os ensina, leva-os lá para casa dele à tarde e parece que lhes dá rebuçados e doces e lá ficam elas c’o padre a tarde toda a aprender…” “Mas, ‘vó, dantes, com o outro padre não era assim?” “Não! O antigo tinha só lá um sacristão que o ajudava nas coisas, quando não era ele que as fazia.” Voltei a concentrar-me na sopa, que era melhor, contendo-me para não abrir do meu cérebro um capítulo opinativo em “Pedofilia e Cristandade”.
Passam mais outros, até que abalo. Minha ‘vó chora (não sei bem se porque não ter comido as cavacas que cosera para mim de propósito mas que não comi, se por estar de abalada… Talvez, juntando as duas ordens de raciocínio numa só, seja o choro por frustração de o plano das cavacas não ter resultado, pois mesmo assim eu a deixava …). Meu avô, mas firme e pragmático nestas coisas, beija-me e dá-me pancadinhas nas costas, daquelas em que as mãos ficam mais tempo coladas ao corpo que no ar, fora dele. Assim deixei outra vez, para poder a ele voltar mais tarde, este paraíso de aldeia. Graças a… Deus, que anda bem escondido nas mais altas montanhas daquela Serra, o que toda a gente sabe, Loriga la esta para quando eu quiser voltar a sentir as suas maos firmes e talentosas nas minhas costas.
(Tres anos mais tarde…)
Desde que o meu avo faleceu o verao passado, nao mais voltei a Loriga. Provavelmemte por ser demasiado cobarde para o enfrentar de frente… na sua ausencia. Ou para ouvir da sua boca ausente o quao podiamos ter conversado e nao conversamos… se ao menos tivessemos matado as saudades mais vezes. As saudades, eh bom te-las, mas so para as pudermos matar o mais implacavel e constantemente possivel.